Por Márcio Jones
Diante de
alguma controvérsia doutrinária ou evento de questionável índole, o puritano
John Owen (1616-1683) possuía um método solucionador interessante, o qual quero apresentar.
Owen nunca tratou um problema direta e imediatamente; sempre o colocou em seu
contexto. Além disso, não se precipitava em responder a perguntas suscitadas. Antes,
perguntava: “que princípio está aqui envolvido”? Em seguida: “onde isto se encaixa
na doutrina e no ensino geral da Bíblia?”. Vejo tal postura como muito
equilibrada, que se distancia, principalmente, de análises equivocadas por
falta de conhecimento e que diplomaticamente se adequa até mesmo à mais
acirrada discussão teológica. Afinal, se nos dizemos cristãos, sobretudo
reformados, invocamos como única regra de fé e prática a Sagrada Escritura, e,
para solucionarmos dúvidas teológicas, devemos nos dirigir a Ela em última
instância, e as paixões e partidarismos que fiquem em segundo plano.
Partindo desse
pressuposto, quero tecer alguns comentários sobre a recente vinda do sr. Benny
Hinn ao Brasil, sobretudo à Taguantinga-DF — cidade onde moro —, e as reuniões por ele lideradas, em
geral, rotuladas de “cultos de avivamento”. Entendo que é de suma importância
ao se estudar determinado instituto doutrinário identificarmos aquilo que não
está contido em seu conceito. Ou seja, para que compreendamos o que vem a ser
um avivamento, necessário é sabermos o que não é um avivamento. Para tanto,
convém que tratemos um pouco sobre o ministério de um homem chamado Charles
Finney.
No século XIX,
avivamento passou a ser um assunto de grande relevância, a partir do ministério
do pastor Charles Finney, então presbiteriano, mais conhecido por suas técnicas
do que por sua teologia nada ortodoxa. Antes dele, tais manifestações eram
tidas como soberanas, graciosas e inesperadas, provenientes de Deus. Finney,
porém, após narrar uma experiência marcante com o Espírito Santo, passou a compreender
que avivamento espiritual nada mais é do que o emprego de determinadas leis
espirituais. Ele o comparou à semeadura. Pensava que da mesma maneira com que
se cultiva uma semente, no campo espiritual, se houver rigorosa observância aos
métodos corretos o avivamento é possível de ser fabricado. É dizer, se o povo
de Deus se arrepender de seus pecados e os confessar, buscar a Deus em oração,
o avivamento virá.
Finney, então,
começou a colocar tais métodos em prática. Ele costumava visitar cidades onde
havia igrejas presbiterianas ou não, nas quais fazia reuniões de uma semana,
pregando contra o pecado e a necessidade de as pessoas se arrependerem de seus
pecados e se humilharem diante de Deus. Com efeito, ele narra, e outros também,
resultados extraordinários, como quebrantamento, cidades inteiras mudadas pelo
Espírito Santo mediante. Finney então inaugura um tipo de ministério que não
havia antes na igreja, que é o do ‘avivalista’, um pastor especialista em
produzir avivamentos.
Em sentido
contrário, à luz da Escritura notamos que avivamento não é uma ciência, como
afirmava Finney, mas um dom da graça da parte de Deus, impossível de ser
produzido mediante a aplicação de determinados métodos. Segundo Franklin
Ferreira, avivamento é “a ação soberana do Espírito Santo, agindo de tal forma que
grande número de pessoas receba o evangelho ao mesmo tempo, enquanto a igreja
abandona seus pecados”. Avivamento bíblico é, sim, um retorno às Escrituras, um
retorno aos preceitos divinos, abandono dos ídolos. Algumas porções bíblicas consensuais
entre os teólogos atestam esse posicionamento, por exemplo: Gn 35.1-15; 2 Rs
18.1 ; 2 Cr 14 e 15; 2 Cr 26; 2 Cr 34; Ne 8, 9.
Hoje, os
expedientes adotados por Benny Hinn e os rótulos de suas reuniões, nos fazem
lembrar, de imediato, de Charles Finney. Como no tempo de Finney, os cristãos
da atualidade perguntam: “o que importa sua doutrina, se em tudo que Benny faz
há grandes resultados, grandes manifestações de Deus?”. “Ora, tudo isso é, sim,
o agir do Espírito Santo!”. Vigora o pensamento pragmático, de “aparentes”
resultados, de grande concentração de pessoas, de comoção e histeria coletivas,
desprezado o mínimo exame bíblico.
O que pensar de
um homem que abertamente diz que Deus não o permite pregar (aos 10m50s do vídeo abaixo) — sem mencionar seus
outros ensinos heréticos, veja aqui , por exemplo? Ora, se é a pregação o método por intermédio do qual Deus chama seus
eleitos (Mc 1:38, Rm 10.14; 1 Co 1.21) e edifica a fé destes (Rm 10.17), como
posso abraçar tal declaração como se viesse do próprio Deus?! O ministério de
homens como Pedro, Paulo, Apolo estavam solidamente edificados sobre a pregação
do evangelho. Vejamos Paulo, que de cidade em cidade anunciava o evangelho (At
13.16-41; At 14.1-7; At 16.13,14; At 17.10-31; At 18.5-11), procurando
persuadir os seus ouvintes (2 Co 5.11). O escritor aos Hebreus afirma que
"nestes últimos dias, nos falou Deus pelo Filho" (Hb 1.2). Cristo é a
própria Palavra inegavelmente (Jo 1.1), sem mais revelações posteriores. E o
trabalho do Espírito Santo, tão mencionado pelo pastor em comento, é glorificar
a Cristo (Jo 16.14), dando-Lhe testemunho (Jo 15.26). Seria no mínimo ilógico
glorificar a Jesus sem pregar o próprio Jesus, que é a Palavra.
Não bastasse
isso, há um convite despudorado a um cristianismo místico e esotérico que
privilegia a experiência em detrimento da Escritura, como induz o referido
pastor. Devemos provar os espíritos (1 Jo 4.1). E qual é o critério?
Invariavelmente a Escritura, cujo conhecimento liberta (Jo 8.32). A nobre
virtude dos cristãos de Bereia residia em seu hábito de não receber cegamente
tudo quanto ouviam de um "avivalista" qualquer, mas em analisar
avidamente as Escrituras a fim de comparar o conteúdo de um sermão com aquilo
que estava escrito (At 17.11). Portanto, a experiência deve se conformar à
Escritura, e não o contrário. Se assim não fosse, qual seria o critério para
validar uma experiência anterior com uma posterior? E quando a comparação se
der entre a experiência de um cristão e a de um budista ou de um hinduísta?
Voltamos à mesma proposição: a baliza é a Escritura, a verdade que liberta,
santifica e pavimenta a nossa comunhão com Deus. A fé cristã é essencialmente
racional. Citando John Stott, "crer é também pensar".
Sola Scriptura.
Sola Scriptura.
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