Por Márcio Jones
Meu intuito ao analisar o
referido festival é ser coerente e bíblico. Desejo que aqueles que se puserem a
ler este texto o façam, o mais possível, isentos de parcialidade ou
preconceitos. Que apartem de si todo o ideário que se criou a título de
evangelicalismo moderno, sejam noções, conceitos, vertentes doutrinárias, tudo
quanto se convencionou reputar como institutos que integram a estrutura desse
evangelho “paralelo” que entre nós, brasileiros, se originou, e volvam seus
olhos para o cristianismo bíblico, apostólico e reformado. Urge regressarmos à
Escritura e aos dois mil anos de teologia ortodoxa para ‘examinarmos’, a referida
questão — e tantas outras —, não solitariamente, mas ladeados por profetas,
evangelistas, apóstolos, reformadores e puritanos.
O que dizer do aludido
festival? Comecemos pelo fim. Qual é o grande problema da humanidade? Simples,
é a equivocada noção do que vem a ser o homem. “Se a ideia básica sobre o que é
homem estiver errada, então, necessariamente, também estará errada a ideia a
respeito do que pode ser feito em favor dele”1. Steven J. Lawson
afirma que o mais grave problema da humanidade é o diagnóstico errôneo de seu
estado. Há os que entendem que a raça humana vai bem, obrigado! E, dessarte, o
seu problema reside no meio em que está inserta. Doutra sorte, há os que
enxergam a raça humana como um indivíduo enfermo, o qual se encontra
debilitado, quiçá no leito de morte, contudo ainda consciente e recuperável,
cuja saúde, ainda que lentamente, vai sendo restabelecida. Logo, ainda há
capacidade em si mesma. Por último, o real e incontrastável diagnóstico é o
esposado pelo evangelho de Cristo, segundo o qual o homem está fisicamente
vivo, mas morto espiritualmente, separado de Deus2 — não há justo,
nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se
extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um
sequer...pois todos pecaram (Rm 3:10-11, 23a).
Diante de um cenário de morte
espiritual, o que demanda ser feito? Promover momentos de comoção coletiva,
reafirmar a identidade evangélica brasileira por meio de um cristianismo
atuante politicamente, em favor de uma emissora promíscua que abarrota os
bolsos à custa de cantores que anelam popularidade e que cognominam eventos
desse caráter de avivamento?! No itinerário da Sagrada Escritura, não,
peremptoriamente. Precisamos, sim, expor, devassar a atual condição pecaminosa
do homem, seu estado de morte e já putrefação dado o pecado no qual está
inteiramente submerso e do qual se fez vassalo. Certa feita, um repórter
inquiriu ao pr. Paul Washer acerca do porquê de ele falar tanto sobre pecado.
Washer respondeu: “Porque eu quero que você ame a Deus”3. É dizer,
enquanto o homem não compreende que é mau todo o desígnio de seu coração (Gn
6.5), que a inclinação de sua natureza caída é de inimizade para com Deus (Rm
8.7), que é ele não só amante (Jo 3.19), mas escravo do pecado (2 Pe 2.19), não
há possibilidade de arrependimento e, com efeito, salvação.
Jesus afirmou em João 5.25:
Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos
ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. O dito versículo
aduz o chamado eficaz por intermédio da voz de Cristo, enquanto Deus concede
aos espiritualmente mortos capacidade para reagir ao evangelho. Calvino
pontificou a natureza da pregação da Palavra, a saber a “voz de Deus”, afirma
Franklin Ferreira4. Prossegue o mencionado autor ao dizer que
Calvino, “em seu comentário de Isaías, afirma que na pregação "a palavra
sai da boca de Deus de tal maneira que ela sai, de igual modo, da boca de
homens; pois Deus não fala abertamente do céu, mas emprega homens como seus
instrumentos, a fim de que, pela agência deles, possa fazer conhecida a sua
vontade". Ora, nesse mesmo itinerário o apóstolo Paulo atesta que “aprouve
a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação” (1 Co 1.21b) e que “a fé
vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). Arremata
Paulo: Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele
de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? (Rm 10.14).
Portanto, é insofismável que o meio de propagação da mensagem de Cristo é a
exposição da Escritura, a apresentação de todo o conselho de Deus (At 20.27),
não o fortalecimento da imagem de um pseudo-deus — por meio de canções
humanistas, românticas e triunfalistas, completamente alijadas de teor
bíblico-teológico —, gestado segundo o senso comum e tudo que lhe compraz.
Portanto, ignorar a condição
em que se encontram os ímpios e encará-la sob esse diapasão é similar a um
médico que constata o câncer que acomete a um paciente e lhe degenera o ser,
porém diz-lhe que seus sintomas referem-se a um simples resfriado, que pode ser
facilmente combatido por um leve analgésico. No caso em tela, muitos afirmam
que o festival em comento tem difundido o evangelho. Pergunto: que evangelho? O
evangelho de um deus que é somente amor, mas não justiça; o evangelho de um
deus que livra da tribulação, e não na tribulação; o evangelho de um deus que
faz todos os seus filhos ascenderem profissional, social e financeiramente; o
evangelho de um deus que não permite a um filho seu sofrer de enfermidade; o
evangelho de um deus que se revela mediante experiências, e não em sua Palavra;
o evangelho de um deus cuja vontade é atropelada pelo querer do homem, o qual
determina, decreta e profetiza; o evangelho que traz um “avivamento” em meio a
uma sociedade cada vez mais corrupta, violenta, hedonista. Esse não é o
evangelho de Jesus Cristo, a Boa Nova de salvação.
O evangelho não se trata de
uma proposição ideológica ou filosófica, a cuja compreensão chega o ouvinte/
leitor a depender a capacidade lógico-argumentativa do pregador/ escritor,
muito menos de eventos musicais midiáticos que denotam o grande número do povo
dito evangélico brasileiro e a sua força política. O evangelho é poder de Deus
para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16), apreendido intelectualmente
por um homem quando o Senhor lhe abre o coração (At 16.14; Jo 6.65)
compungindo-o profundamente. A Palavra de Deus não necessita de muletas,
adendos, apêndices para se adequar à realidade do século XXI. O homem precisa,
sim, ser confrontado com a realidade e ser chamado ao arrependimento (Mt 3.2;
4.17; At 2.38). Que preguemos a Cristo, e este crucificado (1 Co 1.23; 1 Co 2.2)!
Notas:
[1] LLOYD-JONES, David Martyn. Sincero, mas errado. São Paulo: Editora FIEL, 1995. p. 13.
[1] LLOYD-JONES, David Martyn. Sincero, mas errado. São Paulo: Editora FIEL, 1995. p. 13.
[3]WASHER,Paul. O verdadeiro evangelho.
São Paulo: Editora FIEL, 2012. p. 58
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