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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Weber, Montesquieu e o movimento neopentecostal




Por Márcio Jones


 Durante muito tempo fui um entusiasta apaixonado pelo Direito constitucional. Algo que começou no período de preparação para concursos públicos, o que me levou a cursar a faculdade de Direito, ser aprovado num concurso e chegar até a pensar em lecionar a referida disciplina.  Contudo, já convertido e certo do chamado de Deus, acabei por me encantar, em definitivo, pela Teologia. Obviamente, o curso me rendeu um bom aprendizado e algumas noções político-jurídicas das quais me lembrei em conversas recentes com amigo(a)s acerca do amplamente questionável movimento neopentecostal de que fazem parte, do qual também eu já fiz.

Weber, ao tratar dos tipos de dominação1,  expende a “autoridade que se baseia em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo (carisma) — devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em alguém que se diferencia por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o chefe. Desse jeito é o poder “carismático”, exercido pelo profeta ou, no domínio político, pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano escolhido por meio de plebiscito, pelo grande demagogo ou pelo dirigente de um partido político”.

Para muitos, hoje, as citadas características trazidas à baila por Weber são as credenciais que vão adiante de um ministro do evangelho. É dizer, se ele as tem é um grande homem de Deus, não importa se a doutrina por ele propagada é ou não sã. Aliás, doutrina?!?! Para que mesmo?! Raridade quem, em nossos dias, se preocupa com isso. Se o dito líder é carismático, paternal, sensível e hospitaleiro, não quedam dúvidas: eis um pastor enviado dos céus. Não olvidemos irmãos, “levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos” (Mt 24:11), “surgirão faltos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mt 24:24) e “porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de se admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz” (2 Co 11:13,14), entre outras advertências, nesse itinerário, arroladas na Escritura.

O que mais avulta salientar é o modelo de liderança despótico instalado nas igrejas adeptas ao tal movimento. Deparamo-nos com uma estrutura praticamente papal, na qual se tem, num pedestal posicional e espiritual, a liderança e no plano inferior, o rebanho. Liderança esta destinatária de revelações específicas da parte de Deus, não extensíveis às ovelhas, porque, afinal, o líder está num patamar mais elevado de espiritualidade. Ademais, na esmagadora maioria dos casos, dentro do colégio de pastores, o pastor-presidente detém privilégios diversos dos demais, como a insuscetibilidade de questionamento — quase a infalibilidade papal, é dizer é ele um homem acima de qualquer suspeita, acima do bem e do mal, e aquilo que disser é lei, e quem não acatar suas “convocações e decretos” é tachado como um rebelde, alguém que está fora da “visão”.

Nessa esteira, são criadas obrigações e mais obrigações, como pesados fardos difíceis de carregar postos sobre os ombros de suas ovelhas, os quais, todavia, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los, à semelhança dos fariseus e escribas aludidos por Jesus em Mateus 23:4. Como vínculo líder-ovelha aqui se estabelece o funesto discipulado, que mais se assemelha a um vínculo semi-escravocrata em que o suposto discipulador toma partido nas decisões de foro íntimo do discípulo —  intrometendo-se em toda a sorte de resoluções a serem por este tomadas; gera restrições, estipula ferrenhas obrigações a que participe de eventos de lavra da igreja, ainda que, para tanto, seja necessário o desembolso de vultosas quantias. Se o “discípulo” não detiver os referidos valores que se desdobre e encontre um jeito de os arranjar! E, providenciando o pobre discípulo tal montante, torna-se um exemplo heroico, um modelo a ser seguido. Quanta manipulação!

Ora, “Montesquieu tinha uma profunda descrença quanto ao homem desvencilhar-se de todos os desatinos que o poder o leva a cometer. Para ele a força corruptora do exercício do mando político está sempre presente. Chegou mesmo a afirmar que todo poder corrompe soberanamente. Não sendo possível apelar para uma eventual regeneração do próprio homem forçoso se encontrar um remédio para o arbítrio e a prepotência dentro do mecanismo de exercício de poder. Era preciso, pois, dispor as coisas de tal sorte que o próprio poder contivesse o poder. Daí a necessidade de seu desmembramento em três funções distintas, exercidas por órgãos também diferenciados, de molde tal a que cada uma pudesse conter os possíveis abusos da outra. Estes mecanismos de controle recíproco foram mais bem desenvolvidos no século XIX. Deu-se-lhes o nome de “checks and balances”, freios e contrapesos”2.

Assim, entendeu Montesquieu ser necessário fazer com que o poder, no âmbito estatal, não mais se concentrasse nas mãos de um único indivíduo, no caso o soberano, e fosse então pulverizado entre diversos órgãos agora exercentes das principais funções de um Estado. “O poder absoluto tende a corromper absolutamente”, dizia Lord Acton. Pelo que não convém que, na esfera eclesiástica, o poder dimane de um único homem, o qual, além, de tudo ainda arroga para si a infalibilidade e a inerrância (uma espécie de ‘the king can do no wrong’, o brocardo vigente nas monarquias absolutistas). E “ai de quem tocar no ungido do Senhor”! Quanto ignorância!

Concluo, amados irmãos, depois de todos os questionamentos lançados sobre o modelo de liderança neopentecostal, afirmando que quanto mais individualizada a liderança, maiores tendem a ser os desmandos. Quanto mais individualizado o comando, maior a noção de soberania, supremacia, até chegar-se à pseudo-condição de semideus e achar-se digno de impor sua vontade inquestionável sobre as pobres ovelhas, ignorando até mesmo atitudes que primam por maior transparência e lisura, como a prestação de contas e a divulgação salarial. Em verdade, as igrejas adeptas ao referido movimento, na maioria dos casos, estão assentadas sobre o modelo supracitado, com alguns nuances, algumas variação em maior ou menor grau.

            Soli Deo Gloria.


1. WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo. Editora Martin Claret, 2004.
2. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5ª edição. São Paulo, 2002. Celso Bastos Editor.



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