Durante muito tempo fui um entusiasta
apaixonado pelo Direito constitucional. Algo que começou no período de
preparação para concursos públicos, o que me levou a cursar a faculdade de
Direito, ser aprovado num concurso e chegar até a pensar em lecionar a referida
disciplina. Contudo, já convertido e
certo do chamado de Deus, acabei por me encantar, em definitivo, pela Teologia.
Obviamente, o curso me rendeu um bom aprendizado e algumas noções
político-jurídicas das quais me lembrei em conversas recentes com amigo(a)s
acerca do amplamente questionável movimento neopentecostal de que fazem parte,
do qual também eu já fiz.
Weber, ao tratar dos tipos de dominação1,
expende a “autoridade que se
baseia em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo (carisma) — devoção e
confiança estritamente pessoais depositadas em alguém que se diferencia por
qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que
dele fazem o chefe. Desse jeito é o poder “carismático”, exercido pelo profeta
ou, no domínio político, pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano
escolhido por meio de plebiscito, pelo grande demagogo ou pelo dirigente de um
partido político”.
Para muitos, hoje, as citadas
características trazidas à baila por Weber são as credenciais que vão adiante
de um ministro do evangelho. É dizer, se ele as tem é um grande homem de Deus,
não importa se a doutrina por ele propagada é ou não sã. Aliás, doutrina?!?! Para
que mesmo?! Raridade quem, em nossos dias, se preocupa com isso. Se o dito
líder é carismático, paternal, sensível e hospitaleiro, não quedam dúvidas: eis
um pastor enviado dos céus. Não olvidemos irmãos, “levantar-se-ão muitos falsos
profetas e enganarão a muitos” (Mt 24:11), “surgirão faltos cristos e falsos
profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os
próprios eleitos” (Mt 24:24) e “porque os tais são falsos apóstolos, obreiros
fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de se admirar,
porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz” (2 Co 11:13,14), entre
outras advertências, nesse itinerário, arroladas na Escritura.
O que mais avulta salientar é o modelo de
liderança despótico instalado nas igrejas adeptas ao tal movimento.
Deparamo-nos com uma estrutura praticamente papal, na qual se tem, num pedestal
posicional e espiritual, a liderança e no plano inferior, o rebanho. Liderança
esta destinatária de revelações específicas da parte de Deus, não extensíveis
às ovelhas, porque, afinal, o líder está num patamar mais elevado de
espiritualidade. Ademais, na esmagadora maioria dos casos, dentro do colégio de
pastores, o pastor-presidente detém privilégios diversos dos demais, como a insuscetibilidade
de questionamento — quase a infalibilidade papal, é dizer é ele um homem acima
de qualquer suspeita, acima do bem e do mal, e aquilo que disser é lei, e quem
não acatar suas “convocações e decretos” é tachado como um rebelde, alguém que
está fora da “visão”.
Nessa esteira, são criadas obrigações e
mais obrigações, como pesados fardos difíceis de carregar postos sobre os
ombros de suas ovelhas, os quais, todavia, eles mesmos nem com o dedo querem
movê-los, à semelhança dos fariseus e escribas aludidos por Jesus em Mateus
23:4. Como vínculo líder-ovelha aqui se estabelece o funesto discipulado, que
mais se assemelha a um vínculo semi-escravocrata em que o suposto discipulador
toma partido nas decisões de foro íntimo do discípulo — intrometendo-se em toda a sorte de resoluções
a serem por este tomadas; gera restrições, estipula ferrenhas obrigações a que
participe de eventos de lavra da igreja, ainda que, para tanto, seja necessário
o desembolso de vultosas quantias. Se o “discípulo” não detiver os referidos
valores que se desdobre e encontre um jeito de os arranjar! E, providenciando o
pobre discípulo tal montante, torna-se um exemplo heroico, um modelo a ser
seguido. Quanta manipulação!
Ora, “Montesquieu tinha uma profunda
descrença quanto ao homem desvencilhar-se de todos os desatinos que o poder o
leva a cometer. Para ele a força corruptora do exercício do mando político está
sempre presente. Chegou mesmo a afirmar que todo poder corrompe soberanamente.
Não sendo possível apelar para uma eventual regeneração do próprio homem
forçoso se encontrar um remédio para o arbítrio e a prepotência dentro do
mecanismo de exercício de poder. Era preciso, pois, dispor as coisas de tal
sorte que o próprio poder contivesse o poder. Daí a necessidade de seu
desmembramento em três funções distintas, exercidas por órgãos também
diferenciados, de molde tal a que cada uma pudesse conter os possíveis abusos
da outra. Estes mecanismos de controle recíproco foram mais bem desenvolvidos
no século XIX. Deu-se-lhes o nome de “checks
and balances”, freios e contrapesos”2.
Assim, entendeu Montesquieu ser necessário
fazer com que o poder, no âmbito estatal, não mais se concentrasse nas mãos de
um único indivíduo, no caso o soberano, e fosse então pulverizado entre
diversos órgãos agora exercentes das principais funções de um Estado. “O poder
absoluto tende a corromper absolutamente”, dizia Lord Acton. Pelo que não
convém que, na esfera eclesiástica, o poder dimane de um único homem, o qual,
além, de tudo ainda arroga para si a infalibilidade e a inerrância (uma espécie
de ‘the king can do no wrong’, o
brocardo vigente nas monarquias absolutistas). E “ai de quem tocar no ungido do
Senhor”! Quanto ignorância!
Concluo, amados irmãos, depois de todos
os questionamentos lançados sobre o modelo de liderança neopentecostal,
afirmando que quanto mais individualizada a liderança, maiores tendem a ser os
desmandos. Quanto mais individualizado o comando, maior a noção de soberania,
supremacia, até chegar-se à pseudo-condição de semideus e achar-se digno de
impor sua vontade inquestionável sobre as pobres ovelhas, ignorando até mesmo
atitudes que primam por maior transparência e lisura, como a prestação de
contas e a divulgação salarial. Em verdade, as igrejas adeptas ao referido
movimento, na maioria dos casos, estão assentadas sobre o modelo supracitado,
com alguns nuances, algumas variação em maior ou menor grau.
Soli Deo Gloria.
1. WEBER, Max. Ciência e Política: duas
vocações. São Paulo. Editora Martin Claret, 2004.
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