Por Márcio Jones
Nos dias atuais é comum ouvirmos, com cada vez mais frequência e intensidade, a pregação de um tipo de evangelho antropocentrista e triunfalista — o qual na verdade não é outro — com foco quase que exclusivo na satisfação de desejos terrenos e obtenção de benção materiais. Jesus tornou-se o meio para ascensão profissional e social, uma espécie de amuleto mágico, alguém para quem eu “determino”, “eu decreto”, “eu profetizo”, e outras tantas variações semelhantes, e Ele tem que fazer porque, afinal, o soberano aqui é o homem.
E muito se diz por aí que temos, sim, de usufruir do melhor desta terra e viver sob o manto da excelência, pois todos verão que sou chamado pelo nome do Senhor. É. Se herdarmos dezenas de anos de erro e ignorância no que se refere ao são conhecimento das Sagradas Escrituras até posso moldar alguns textos do Antigo Testamento, aplicá-los totalmente fora de seu contexto, desprezando, ainda, a exegese, a hermenêutica — ciência da interpretação —, os preceitos da Nova Aliança e usá-los ao meu bel prazer, com vistas a atrair possíveis “convencidos”.
Com o mero intuito de granjear membros, abarrotar igrejas e rotular esse fenômeno de avivamento, com o estilo de pregação “toma chave, toma carro, toma casa”, ou “conta aqui o que Jesus fez na sua vida”, materialmente falando, o sucesso será garantido. Contudo direção adotada destoa totalmente dos ensinamentos de Jesus Cristo para a Sua igreja, voltando, isso sim, às fabulas, às filosofias, às vãs sutilezas e às doutrinas de demônios.
Temos de ter em mente, no presente momento, afirma John Piper, com quem concordo a esse respeito, que existem diferenças de grande relevo trazidas desde que Cristo veio ao mundo, e prossegue ao dizer que “até aquele tempo, Deus focou sua obra redentora em Israel com obras eventuais entre as nações”. Deus possuía o intuito de glorificar a Seu nome por intermédio na nação israelita, aqueles que, até então, constituíam o povo escolhido pelo Senhor, e nada mais natural que, sob a égide da Antiga Aliança, fossem agraciados com sinais, prodígios, maravilhas e, até mesmo, benção materiais, a fim de que as nações situadas em redor temessem e respeitassem a Jeová. Essas citadas diferenças não podem ser desconsideradas ao se analisar os textos bíblicos de ambas as Alianças.
Ora, no texto em tela, Cristo comissiona os discípulos, fazendo deles embaixadores, e, encorajando-os, ordena-lhes que vão de cidade em cidade, nos termos de Israel, anunciar que é chegado o Reino dos céus, que curem enfermos, expulsem demônios e, nos versos 24 e 25, discorre acerca de ser o discípulo menor ou no máximo semelhante ao seu mestre. Warren W. Wiersbe afirma que se não considerarmos que essa mensagem se destina a servos passados, presentes e futuros, ela tornar-se-á terrivelmente confusa. Então Se Jesus sofrera perseguição, quanto mais o sofrerão aqueles que lhe são discípulos!
Entre as peculiaridades da Nova Aliança, a Aliança do Calvário, está a urgência da segunda vinda do Messias, a qual, por si só, faz com que vivamos norteados pelo juízo e pela eternidade, que entendamos que as aflições são inafastáveis (No mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo. Jo 16:33b), e, por que não dizer, necessárias.
O ministério apostólico de Paulo repleto de perseguições e sofrimento a ponto de o apóstolo Paulo encorajar Timóteo, o seu filho na fé, a sofrer afronta por causa do nome de Cristo e exorta: “Sofre comigo como bom soldado de Cristo Jesus. Nenhum soldado em serviço se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (2 Tm 2:3-4). E outra vez o mesmo apóstolo enfatiza: “E também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” (2 Tm 3:12).
Nesse mesmo itinerário, a Bíblia relata, no capítulo 5 do livro de Atos, a partir do verso 17, o momento em que os apóstolos, por terem curado enfermos e possessos por espíritos imundos, são lançados, pelos saduceus, na prisão pública. E, depois de terem sido libertados, à noite, por um anjo do Senhor, põem-se a ensinar, no templo, na manhã do dia seguinte. Sabendo disso o sumo sacerdote envia o capitão e os guardas a que apanhem os apóstolos, conduzam-nos ao sinédrio a fim de, novamente, proibi-los de ensinar a doutrina de Cristo Jesus e açoitá-los. No verso 47 desse mesmo capítulo, a Bíblia assevera que os apóstolos “Retiraram-se, pois, da presença do sinédrio, regozijando-se de terem sido julgados dignos de sofrer afronta pelo nome de Jesus”.
Assim, a vida cristã não se consubstancia numa vida de bem-estar, de facilidades, de prazeres, de enriquecimento. O enfoque dado pelo Novo Testamento é de iminência da segunda vinda de Jesus Cristo, vinda a respeito da qual não se sabe o dia nem a hora (Mt 25:13), portanto a prepotência de se achar que se tem muito tempo de vida deve ser alijada. Voltar-se para a aquisição de bens não se coaduna com a essência do Evangelho bendito do Filho de Deus. A palavra de ordem, antes, é ‘acautelai-vos’, e não ‘enriquecei-vos, prospereis e desfrutei-vos da vida’. O foco está desajustado. O evangelho está desvirtuado. O encorajamento é, sim, para o sofrimento, para a partilha da agonia da cruz de Cristo, para a urgência, caso contrário grande é a chance de, naquele grande e terrível dia, ouvirmos “apartai-vos de mim. Não vos conheço”.
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